Dois DNAs em uma pessoa? Conheça o fenômeno chamado de quimerismo humano.
Imagine ter que fazer um teste de DNA, e descobrir que os resultados simplesmente não batem com os seus? Ou pior, que você, geneticamente falando, não é mãe ou pai do seu próprio filho? Acredito que poucas pessoas saibam disso, e assim como eu, também fiquei surpresa quando achei alguns artigos acadêmicos que falam sobre essa condição. Mas, saiba que isso é totalmente possível, e tem explicação científica. A condição se chama quimerismo e vamos estudar um pouco sobre ela.
O que é o quimerismo?
Quimerismo é uma condição genética rara em que um único indivíduo possui dois conjuntos diferentes de DNA. Isso pode acontecer quando dois embriões distintos se fundem ainda nas primeiras semanas de gestação, formando uma única pessoa com células geneticamente diferentes espalhadas por todo o corpo.
Esse tipo específico de quimerismo, chamado tetragamético, ocorre a partir da fusão de dois óvulos fertilizados por dois espermatozoides distintos. Ao invés de se desenvolverem como gêmeos fraternos, eles se fundem e dão origem a um único organismo com duas linhagens de DNAs diferentes. Em muitos casos, essa fusão passa despercebida por toda a vida, ate que chega a hora em que necessite um exame de DNA. E por causa disso, muito se surpreendem com as respostas.
Mas como isso é possível?
Cada célula do corpo humano geralmente carrega o mesmo DNA. Mas em quimeras humanas, algumas células têm um DNA, enquanto outras têm outro. Dependendo de onde essas células se concentram — sangue, pele, esperma, ovários, etc. Isso pode ou não ser perceptível clinicamente. Na maioria dos casos, as pessoas vivem normalmente sem nunca saber da sua condição.
Porém, em determinadas situações, como exames genéticos, testes de paternidade ou casos de infertilidade, o quimerismo pode vir à tona de forma surpreendente. Estudos científicos já documentaram diversas ocorrências clínicas reais em que o diagnóstico só foi feito após resultados inesperados nos exames. Os casos em que eu irei relatar abaixo foram extraídos de artigos acadêmicos de estudos sobre o caso, e acredite, você ira se surpreender!
Casos impressionantes documentados pela ciência:
- Erro de laboratório? Não! Era quimerismo!
Em um estudo recente, um feto do sexo masculino apresentou variações genéticas em diferentes amostras coletadas durante um exame pré-natal. A princípio, acreditou-se em troca de amostras, mas a investigação revelou que as células do feto apresentavam dois perfis genéticos distintos — ambos masculinos. Um caso raro de quimerismo com cromossomos sexuais iguais, mas origens embrionárias diferentes. - O homem com DNA feminino.
Um paciente procurou ajuda por causa de problemas de fertilidade (oligospermia). Durante os exames, descobriu-se que ele possuía células com DNA XX (feminino) e outras com XY (masculino). Ele era, na verdade, uma quimera tetragamética, com dois conjuntos de DNA, herdados de dois zigotos diferentes, um masculino e um feminino. Apesar de sua aparência e identidade masculina, seu corpo carregava material genético feminino! - A infertilidade causada por dois DNAs.
Outro estudo investigou um caso semelhante, em que um homem infértil também apresentava um mosaico genético com características femininas e masculinas. A condição explicava por que ele não produzia espermatozoides viáveis, seu tecido testicular apresentava células de linhagens diferentes, o que comprometia a função reprodutiva. - Paternidade negada pelo próprio DNA!
Em um caso famoso, um homem teve o teste de paternidade negado em relação ao filho biológico. O exame genético mostrou que ele não compartilhava DNA suficiente com a criança para ser considerado pai. No entanto, testes posteriores revelaram que seu sêmen continha células com um DNA diferente do das células bucais testadas inicialmente. Ele era uma quimera, e o filho havia herdado o DNA do “irmão gêmeo não nascido” presente em seu corpo. - Confusão genética em barriga de aluguel.
Um caso envolvendo gestação por substituição também trouxe à tona o quimerismo: o pai genético teve sua paternidade negada durante a análise forense. A descoberta do quimerismo tetragamético foi essencial para esclarecer a situação, o embrião havia herdado um conjunto genético que estava presente apenas em uma parte do corpo do pai.
O que podemos aprender com isso?
O quimerismo mostra como o corpo humano é mais complexo do que imaginavamos! Nossas células podem carregar histórias genéticas distintas, e muitas vezes, essa diversidade permanece oculta por toda a vida. Quando revelada, ela não apenas desafia o senso comum, mas também levanta questões importantes na medicina, na genética forense e até nos laços familiares.
Curiosidades extras:
- Existem relatos de pessoas com olhos de cores diferentes ou manchas de pele distintas causadas por quimerismo.
- Em testes de ancestralidade, pessoas quiméricas podem receber resultados conflitantes.
- Algumas mulheres descobrem que não são, geneticamente, mães de seus filhos, simplesmente porque o DNA do óvulo não corresponde ao das células testadas (como da mucosa bucal).
O quimerismo é um fenômeno raro, mas absolutamente real. Ele nos lembra que, por trás da aparência comum, cada corpo carrega seus próprios mistérios biológicos. E que, às vezes, você pode ser dois, ao mesmo tempo, isso e incrível!
Se voce precisa de fontes para se aprofundar mais no assunto para fins academicos considere ler os artigos cientistas que publicaram as seus estudos sobre o quimerismo.
📚REFERÊNCIAS ACADÊMICAS do conteúdo do post:
1 – Yang, S., Zhang, X., Yu, Q., et al. (2024). A prenatal case misunderstood as specimen confusion: 46,XY/46,XY chimerism. BMC Pregnancy and Childbirth, 24. https://doi.org/10.1186/s12884-024-06321-5
2 – Huang, Y., Zhou, Y., Zhang, X., et al. (2020). Rare case of an oligospermic male with 46,XX/46,XY tetragametic chimerism. Andrologia, 52(3). https://doi.org/10.1111/and.13290
3 – Shi, P., Zhou, C., Zhang, W., et al. (2020). Clinical and Genetic Analysis of an Infertile Male with 46,XX/46,XY Chimerism. Andrologia, 52(1). https://doi.org/10.1111/and.13215
4 – Bruce, J. R., Horn, P. A., Backer, K., & Hodes-Wertz, B. (2017). A case of chimerism-induced paternity confusion: what ART practitioners can do to prevent future calamity for families. Fertility and Sterility Reports, 2(1). https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5845036/
5 – Davis, C., Dickson, K., & Pankratz, V. S. (2023). Paternity pseudo-exclusion caused by tetragametic chimerism in a gestational surrogacy case. Forensic Science International: Genetics. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/37276934/