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Quando a Escócia Era a Verdadeira Grã-Bretanha: Uma História que Quase Esquecemos

Este conteúdo foi criado, escrito e editado por mim com base em artigos acadêmicos originais, adaptado para o público brasileiro com linguagem acessível. Vídeos, imagens e estrutura são de autoria própria. Boa leitura para você estudante.

Durante a Idade Média, muitos escoceses viam seu reino como o legítimo herdeiro da ilha britânica, e isso muda tudo o que achamos que sabíamos sobre identidade nacional.


Uma ilha, muitas histórias

Hoje em dia, quando ouvimos a palavra “britânico”, quase automaticamente pensamos em algo relacionado à Inglaterra. Talvez venha à mente o Parlamento em Westminster, a bandeira com a cruz de São Jorge ou até a família real inglesa. Mas o que aconteceria se disséssemos que, por séculos, essa associação simplesmente não fazia sentido, especialmente para os escoceses da Idade Média?

Um estudo recente do historiador Dauvit Broun, publicado no Journal of Scottish Historical Studies, lança luz sobre uma faceta esquecida da história britânica: a ideia de que, entre os séculos XIV e XVI, cronistas escoceses conceberam a Escócia não apenas como uma nação independente, mas como a verdadeira herdeira da ilha chamada Grã-Bretanha.

Sim, você leu certo. Para muitos escoceses medievais, ser britânico não era sinônimo de ser inglês. Pelo contrário: a identidade britânica podia, e, segundo eles, devia, ser definida nos termos da Escócia.

Entenda o tema com este vídeo ilustrativo feito por mim


A Grã-Bretanha vista do norte

Entre os autores analisados por Broun estão nomes como John Mair, John of Fordun, Thomas Barry e Walter Bower. Eles não estavam apenas registrando acontecimentos históricos, mas também construindo uma narrativa poderosa sobre pertencimento e legitimidade.

Para esses pensadores, a história da ilha britânica era inseparável da história escocesa. A Escócia, com seus reis e linhagens que remontavam a antigas figuras britânicas, era vista como sucessora natural do antigo Reino da Britânia. O conceito de “britanidade” que emergia desses escritos era profundamente escocês, rejeitando a ideia de que a Inglaterra teria direito exclusivo a definir o que era ser britânico.

Essa visão é particularmente marcante quando comparada ao chamado “unionismo banal”, termo cunhado pelo historiador Colin Kidd para descrever a forma como a união política entre Escócia e Inglaterra foi naturalizada com o tempo. Broun propõe uma inversão: em vez de um unionismo tácito, havia uma “britanidade banal” escocesa, baseada simplesmente no fato de se habitar a mesma ilha.


Manuscritos, mapas e uma memória apagada

Um dos aspectos mais fascinantes do estudo é a análise de um compêndio manuscrito recentemente descoberto. Trata-se de um documento do início do século XVI, escrito por um clérigo escocês, que reúne genealogias, crônicas e listas de reis. O detalhe curioso? Ele apresenta a história da Escócia como se fosse, em essência, a história da própria Grã-Bretanha.

Esse documento, copiado de outros anteriores e guardado de forma quase artesanal, mostra que essa visão não estava restrita a elites acadêmicas. Circulava entre religiosos, professores e talvez até estudantes, oferecendo uma alternativa silenciosa, porém poderosa, à narrativa inglesa dominante.

E não é só no conteúdo que isso fica claro. O próprio formato do manuscrito, portátil, prático, pessoal, sugere um uso cotidiano, como uma referência rápida para quem quisesse conhecer “a verdadeira história” da ilha.


Independência e identidade: não são opostos

Um ponto crucial do artigo é o argumento de que, para esses escoceses medievais, não havia contradição entre ser independente e ser britânico. A independência da Escócia não era um obstáculo à sua britanidade, pelo contrário, era um elemento que a fortalecia.

John Mair, por exemplo, é conhecido por defender a união dinástica entre Escócia e Inglaterra. Mas sua “História da Maior Grã-Bretanha”, publicada em 1521, está longe de ser um manifesto unionista no sentido moderno. Mair reconhecia diferenças culturais e políticas, e sua proposta de união era, acima de tudo, uma busca por paz. Em sua obra, a Grã-Bretanha é apresentada como formada por dois reinos, mas com um passado compartilhado e uma esperança de convivência. E, claro, com a Escócia ocupando papel central.


Por que isso importa hoje?

Recuperar essa perspectiva medieval muda nosso olhar sobre o presente. Em tempos de debates acalorados sobre independência escocesa, Brexit e identidade nacional, lembrar que o conceito de “britânico” já foi profundamente plural e disputado pode abrir espaço para reflexões mais nuançadas.

A ideia de que britanidade é uma invenção exclusivamente inglesa é historicamente equivocada. Houve momentos, como mostra Broun, em que a Escócia não só se via como parte da Grã-Bretanha, mas como seu centro simbólico e legítimo.

Entender isso não é apenas um exercício de erudição. É uma forma de questionar as narrativas dominantes e reconhecer que há múltiplas formas de imaginar pertencimento, soberania e história.


Abaixo esta o estudo original sobre esse tema para se aprofundar mais nesse assunto.

Referência usada neste post:
BROUN, Dauvit. Scottish Independence and British Identity: An Unusual Late-Medieval Perspective. Journal of Scottish Historical Studies, vol. 45, n.º 1, 2025, pp. 1–25. DOI: 10.3366/jshs.2025.0386. Acesso em: 5 de junho de 2025.

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