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Quando o grupo atrapalha: por que discutir em sala pode piorar o entendimento em física

A instrução entre pares é uma estrela do ensino moderno, mas um novo estudo mostra que, quando o assunto desafia a intuição, ela pode virar vilã.

Imagine uma sala de aula onde os alunos discutem entre si problemas de física, tentando chegar juntos à resposta certa. Parece o cenário ideal para aprender melhor, certo?

Esse método, chamado de “instrução entre pares”, é amplamente adotado em escolas e universidades. A lógica por trás dele é poderosa: em vez de aprender apenas ouvindo o professor, os estudantes se ajudam mutuamente a compreender os conteúdos. Mas e se esse método, justamente por ser tão colaborativo, acabar atrapalhando em vez de ajudar?

Um estudo recente feito no Cazaquistão investigou justamente isso e descobriu que, quando se trata de conceitos contraintuitivos em física, discutir em grupo pode confundir ainda mais os estudantes.

vídeo explicativo sobre o tema

Por que estudar isso?

A física está cheia de conceitos que desafiam o senso comum. Por exemplo: é natural pensarmos que um objeto em movimento vai “parar sozinho”, afinal, é o que vemos acontecer no dia a dia. Mas a física ensina o contrário: um objeto em movimento tende a continuar assim, a menos que algo interfira.

Esse tipo de ideia, que vai contra nossa experiência cotidiana, é chamado de “contraintuitivo”. E aprender esse tipo de coisa exige mais do que repetir fórmulas, exige mudar formas de pensar que estão profundamente enraizadas.

A instrução entre pares, nesse cenário, seria uma aliada? Os pesquisadores decidiram testar.


O que o estudo revelou

O experimento envolveu 40 estudantes do ensino médio. Primeiro, eles respondiam a perguntas de física sozinhos. Depois, discutiam as mesmas questões em grupos, tentando convencer uns aos outros sobre as respostas corretas. Por fim, respondiam novamente às mesmas perguntas, agora após o debate.

O resultado foi surpreendente: muitos alunos que tinham acertado inicialmente mudaram para respostas erradas depois da discussão. Em vez de melhorar a compreensão, a troca de ideias entre pares fez com que a taxa de acertos diminuísse.

Ou seja: ao contrário do que se espera, o grupo não ajudou, apenas trapalhou.


Por que isso acontece? Os vilões invisíveis da mente

Os autores do estudo apontam dois possíveis culpados: o viés de confirmação e o ancoramento.

  • Viés de confirmação: tendemos a buscar e aceitar apenas informações que reforçam o que já acreditamos. Em um grupo, isso pode se manifestar quando todos reforçam a mesma ideia errada, ignorando argumentos contrários.
  • Ancoramento: nossa mente dá peso exagerado à primeira informação recebida. Se alguém começa a discussão com uma resposta errada, essa ideia pode dominar o grupo, mesmo que esteja incorreta.

Esses processos são automáticos, inconscientes e poderosos. Em contextos onde a resposta correta desafia a intuição, esses vieses podem ser fatais para a aprendizagem.


E agora, o que fazer com isso?

Isso não significa que a instrução entre pares deva ser descartada. Mas o estudo mostra que ela precisa ser usada com cuidado, especialmente quando o conteúdo desafia nossas crenças mais básicas.

Professores e educadores podem, por exemplo, intervir ativamente durante as discussões, guiar o raciocínio dos grupos, ou preparar os alunos previamente para reconhecer seus próprios vieses.

Mais importante ainda: essa pesquisa lembra que aprender ciência não é só uma questão de decorar fórmulas é um processo mental profundo, que envolve mudar a forma como vemos o mundo.


Conclusão: o desafio de aprender o contraintuitivo

A ciência, muitas vezes, nos obriga a pensar de forma contraintuitiva. E isso não é fácil. Este estudo mostra que, mesmo boas estratégias de ensino, como a instrução entre pares, podem falhar — ou até prejudicar — se não forem bem aplicadas.

Entender como pensamos, onde erramos e como melhorar esses processos é essencial para construir uma educação científica mais eficaz e justa.

Afinal, o verdadeiro aprendizado começa quando reconhecemos que nossa intuição pode estar errada — e nos dispomos a confrontá-la com coragem e curiosidade.

Artigo Científico Selecionado

Título: Peer instruction’s Achilles’ heel: An analysis of its ineffectiveness in confronting counterintuitive physics concepts
Autores: Yerbol Ospanbekov¹, Samat Maxutov², Yerbol Sandybayev³, Aknur Boranbekova¹, Nuri Balta²*
¹ Abai Kazakh National Pedagogical University, Almaty, KAZAKHSTAN
² SDU University, Kaskelen, KAZAKHSTAN
³ Nazarbayev Intellectual School of Biology and Chemistry, Almaty, KAZAKHSTAN

Publicado em: Eurasia Journal of Mathematics, Science and Technology Education, 2024
Link ou DOI: https://www.ejmste.com/article/peer-instructions-achilles-heel-an-analysis-of-its-ineffectiveness-in-confronting-counterintuitive-14778

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